Comecei a me sentir incoerente... então senti necessidade de por tudo o que estava dentro pra fora, pra olhar de longe e tentar entender como funciona...

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

...

Decidiu-se certo dia a tirar do chaveiro todas as chaves antigas, sem uso, e como não soubesse mais a função de cada uma achou por bem guardá-las em caixinha, para o caso de precisar.

Eis que, muitos anos depois, acha a neta a tal caixinhas com todas as chaves descartadas por toda uma vida e nunca mais utilizadas já que - haja paciência! - melhor comprar cadeados novos.

Pois paciência é que não falta a criança sem ocupação.Pega a menina a tal caixa e se vai a desvendar tesouros: finalmente abrir a janela trancada em definitivo antes de instalar a tela para que o gato não saltasse, ler o diário dos primeiros amores da idosa, rever o álbum de criança, trancafiado pela timidez da puberdade, entrar de novo na escola que foi o primeiro trabalho e finalmente trancar de novo a escrivaninha e o banheiro, em que se batia a porta por segurança de não vexar ninguém haviam anos.

Tantas portas finalmente abertas ou finalmente trancadas que dava pra conhecer o mais fundo recôndito canto do coração da vó, não fosse a menina criança demais pra esses segredos de moça.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

medo...

-Tem um fantasma lá em cima.
Minha irmã descera a escada às pressas e me despejou a tal frase a que respondi, incrédula:
- Fantasmas não existem! Não caio mais nessa.
Frieza compreensível a minha. Não seria a primeira vez. Ela já me assustara antes, com um lençol sobre um quadro da Virgem com o Menino. Ainda me lembrava das suas risadas: "Sua boba, fantasmas não existem!"
- É! Mas tem um lá em cima.
- FAN-TAS-MAS-NÃO-E-XIS-TEM! Dá pra parar com a brincadeira boba???
- Tem sim! Tem sim!
E como ela não deixasse de insistir, decidi subir as escadas e ver com meus próprios olhos, um pouco decidida a por fim à palhaçada e um pouco já curiosa, afinal, o que lhe dava tanta certeza?
A meia duzia de degraus do segundo andar senti o sangue gelar nas veias no mesmo instante em que tocou meus ouvidos o som mórbido de uUuUuUuUuUuUu...
- Desci também as pressas. De fato havia algo lá em cima. Não poderia ser um fantasma, já que fantasmas não existiam e decerto haveria uma explicação lógica e científica para o tal fenômeno, mas estava lá, depois do teto da sala, logo acima de nossas cabeças.
Só que coragem de investigar depressa me fugiu das pernas então tivemos que esperar, paralisadas de medo, até que minha mãe chegasse e desligasse o rádio que havia esquecido ligado, bem baixinho, tocando ópera lá no seu quarto.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

piu piu piu piu...

Um som da infância. Foi o que me pediram.

E me veio a memória a imagem do trator do meu avô. Nos dias de menina passeando no sítio, a principal vedete era o trator onde o avô nos levava para passear.
Sim, morram de inveja: eu já fui criança e já andei de trator.

Passados instantes percebi que era uma imagem. Eu lembrava da figura, não do som do trator.

E então me voltaram os piu-piu-pius dos pintinhos no galinheiro. Andávamos eu a a minha irmã a tentar pegar filhotinhos: da galinha, da leitoa...

Ela, mais velha, ditava o plano. Engraçado que eu sempre ficava distraindo a mãe enquanto ela corria atrás do pequenininho.

E eu perguntava: mas porque VOCÊ não fica na frente do buraco enquanto EU corro atrás do porquinho? Me respondia que eu era menor e por isso corria menos.

Sabe, fazia sentido. Mas ainda assim eu tinha pra mim, (e ainda tenho, que é difícil desfazer certezas da infância) que lá no fundo, quem sabe nem tão fundo assim, ela tinha era medo da leitoa.