Comecei a me sentir incoerente... então senti necessidade de por tudo o que estava dentro pra fora, pra olhar de longe e tentar entender como funciona...

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Sobre o tempo

Dizem que o que é bom dura pouco. Que o tempo voa quando estamos felizes. E no entanto eu tenho a impressão de que o tempo corria muito mais lento no Caminho que aqui.

A impressão que eu tenho é que no Caminho nós vemos os dias, o que é impossível nesse turbilhão capitalista que a gente vive por falta de opção ou se mete, não sei bem por quê.

O Caminho foi toda uma vida, tantos lugares... tantas pessoas. Eu conversei mais com pessoas que convivi por algumas horas e que falavam uma língua que eu falo muito mal, que com alguns dos meus colegas de trabalho de anos.

A gente não vive, gente passa pelos dias. E as vezes, só as vezes, foge das obrigações e descumpre os prazos pra colher as flores desse caminho nosso de todos os dias pelo mundo.

sábado, 20 de junho de 2015

Santiago de Compostela

Dizem que a gente muda tanto no Caminho que eu ando me perguntando quem será essa pessoa que vai voltar.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

...

aA....
Eu, por mim, não perguntei nem perguntaria nada.
Mas perguntas podem nascer de diferentes bocas que não as nossas e umas vez perguntadas, devem ser respondidas.
E uma vez respondidas devem ser cumpridas sob o peso do preço a pagar.

Ah....
Quem dera retornar à incerteza dos dias primeiros, quando nem promessa nem medo nos batiam à porta.
E viver o simples desejo acumulado em dias tantos pra depois...
SÓ DEPOIS.
Olhar o mundo adiante.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

O espelho encantado.

A princesa era só no castelo, autoridade única. Assim, em tempo de seca, foi ela a sair em busca de fonte, lavoura ou rebanho que alimentassem os seus. Passados três dias de caminhada avistou ao longe a torre de um castelo, tão belo, tão cintilante, que a encantou a ponto de habitar seu sonhos, dia-a-dia, desde então.

Voltou ao reino com comida e boas novas, depois partiu em nova busca, decidida a seguir aquela imagem até os confins da terra. Caminhava durante o dia atravessando montanhas e vales e caminhava também nas noites, em sonho, por corredores iluminados por mil velas, incrustados com as mais belas pedras preciosas ou com as mais temíveis ossadas, altos, baixos, estreitos, largos, num deleite eterno de se saber no interior de tão sonhado palácio.

Três vezes trinta noites se perdeu a princesa nos desvãos do mundo até chegar à almejada porta. Viu-se então, diante de um espelho e nesse espelho figurou mais bela do que jamais fora. Afora cabelos e peles e formas tinha nos olhos um brilho de diamantes ou de cem mil vagalumes, capazes de iluminar uma cidade inteira ao piscar. Diante de tamanha beleza as portas espelhadas se abriram e os corredores reais se mostraram mais que os sonhados em tudo o que fosse possível comparar.

Dormida apenas uma noite em aposento real, saiu a princesa a colher rosas e frutas nos arredores, beber àgua em riacho, escutar passarinhos. Inda viu de relance uma lebre a passar distraida e decidiu pois retornar, mas qual não foi sua surpresa ao encontrar as portas espelhadas fechadas e nelas refletida a imagem da bruxa mais horrenda que se pode imaginar: afora cabelos e peles e formas, aqueles olhos negros e fundos prontos a aprisionar desavisados em intrincados encantos. Diante de tão horrenda figura, as portas permaneceram trancadas.

Decidiu então a princesa, desnorteada, retornar a terra natal. Procurou no caminho um sábio capaz de lhe dizer como quebrar o tal feitiço - posto que só poderia ser um feitiço - e tudo o que encontrou foram perguntas: Quem estaria enfeitiçado? O espelho, refletindo bruxa quando olhava princesa, ou ela mesma, olhando princesa e vendo bruxa? E quando? Hoje, mostrando feiura ou ontem mostrando beleza? Não teria sido também encanto o que mostrara bela essa velha já desfeita pela longa jornada? Qualquer sábio lhe daria o antídoto tão logo soubesse dizer qual. Até lá, nada.

E inda hoje caminha a perdida princesa pelo mundo, sem encontrar o caminho de casa e voltando de tempos em tempos à porta selada em busca, se não de uma fresta, ao menos de uma resposta.

sábado, 18 de abril de 2015

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Depois voltei à casa e conferi tua ausência.

Chorei.

Então abri as janelas, arrumei os resquícios, revi os planos.
Tingi de vermelho o vestido branco e segui caminhando.

...

A gente muda.
A gente não muda pela nossa vontade,
pela vontade dos outros
pelos desejos do mundo:
mas a gente muda.

Incessantemente.
Inevitavelmente.
Involutariamente.
Em direções que ninguém define.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

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As palavras a gente até controla, mede, pensa.
A voz é enxurrada:
vaza pelas frestas, escorre pelos cantos.
Depois derruba tudo.

sábado, 4 de abril de 2015

Para Indiara Belo

Hoje sonhei com você.

Sonhei que voltava de Paraty e de despedida e aniversário você me dava uma imagem de Exu.

Sonhei que voltava pra minha casa, que tinha a forma e a cara da parte que era minha na casa da minha mãe, mas que era, no sonho, a minha casa e que me perguntava se devia pô-lo escondido, discreto, quem sabe coberto de rendas pra que Ela não o visse ou se devia deixá-lo a mostra.

Decido deixá-lo a mostra.

Só então acordo.

segunda-feira, 30 de março de 2015

...

observo displicente o mapa das estações.
Há uma chamada "não se envolver".


Passou faz tempo.

quarta-feira, 25 de março de 2015

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Se existe amor?
Ah... tão quieto,
Em silêncio...
amor-gato-quando-tem-visita-em-casa.

E outro, que faz?
Ladra.
Morde.
Sangra.
Me arrasta pelos cabelos de noite em noite seguindo a lua.

Uiva.

segunda-feira, 23 de março de 2015

...

o que acontece?
te desejo.
?
Não...
Lembra: quando cheguei, eras dos fortes
e destes, o mais próximo.

Te desejo porque te vejo forte, sem nunca por num altar...
porque, ainda que forte, me senti no direito de sonhar tuas mãos
por isso te desejo.

Um pouco porque
no fim de toda obrigação de força aprendida na infância
sempre sonhei um poder fragilidade
só as vezes
só pra variar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

...

Passamos com o carro por um portão. Éramos 4 ou 5 e eu estava ora no banco do passageiro na frente, ora no de trás. O lugar, por si, era assusador. Um assustador do tipo favela, com coisas quebradas pelos cantos e pessoas olhando feio, muito feio, pra nós, estranhos que passavam desavisados.

Vimos um carro todo queimado e o motorista cismou que eu deveria chamar 190. "Por quê?" Porque poderia ter alguém preso nas ferragens que não dava pra ver. Ligo. Em linha cruzada, ao ser atendida ouço a voz do meu vizinho de baixo, solicitando ajuda do 190 porque pessoas do lugar onde eu estava naquele momento tinha matado alguém no lugar onde eu moro e aquilo já tinha virado uma guerra.

Aviso os colegas do carro: "Bora dar o fora daqui". Passamos por um posto de gasolina onde haviam pessoas armadas numa blitz genérica organizada pelos locais. Filhos de santo caracterizados pra gira amarrados em uma das bombas. Bailarinas amontoadas num carro na lateral. Alguém me chama, se irrita porque eu a olhei. Eu agradeço e  recuso, bem cortez. Passamos ilesos.

Seguimos por uma estrada ladeada por grades. A saída? Não sei ainda. Uma das pessoas no carro defende que devemos matar alguém pra impor respeito. Que o motorista devia atropelar uma criança, ou algo assim. "Hein? Você ficou maluco? Você entende o que está pedindo? Você está pedindo pra ele MATAR ALGUÉM! Você não pode simplesmente virar pro cara e pedir uma coisa dessas." Ele se defende, que só assim sairíamos vivos. E eu, que aí sim é que não sairíamos vivos.

O carro para. O que foi? Há uma jovem senhora, no auge dos seus muitos kilos, sensualizando na frente do carro. O motorista não sabe o que fazer. Aí sou eu que oriento: "Avance devagar. Bem devagar, pra não machucá-la, e ela vai sair. Veja, a saída está ali". E estava. Uns dez metros à frente uma abertura na grade que acompanhava a estrada dava acesso a uma via de trânsito rápido, onde os carros passavam despreocupados. Ele avançou, ela deixou passar. Na saida um grupo fez o mesmo papel: algo como uma encenação das bacantes entre nós e a fuga.

Acordei.