Comecei a me sentir incoerente... então senti necessidade de por tudo o que estava dentro pra fora, pra olhar de longe e tentar entender como funciona...

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Sobre presentes...


Meu presente esse ano foi uma fotografia. Digital, ainda por cima, não é nem em papel.
Não dá pra pegar, não dá pra vender...
Ninguém pegou uma fila imensa, ninguém entrou num crediário, ninguém enfrentou um shopping no fim do ano pra provar que me amava.
Apesar disso, essa foto foi o melhor presente que eu recebi em anos.
Há muito tempo um presente não me comove tanto, não me encanta tanto: Alguém congelou um instante de vida e me mandou com votos de feliz ano novo e me deixou com cara de boba olhando pras telas várias. (Por que essa foto já está em vários lugares e vocês todos já viram, com certeza)
Talvez o presente, o que a gente vive, não se chame presente porque é uma dádiva. Talvez o presente, o que a gente ganha, se chame presente porque é um jeito das outras pessoas se fazerem presentes na nossa vida.
Se for assim, não faz nenhum sentido passar horas numa fila qualquer pra comprar uma coisa qualquer só porque é natal e a gente tem que provar que ama quem ama.
Se for assim, faz mais sentido dar um abraço, ou mandar uma foto.
Muito obrigada, Paula Hilst, por me proporcionar a indizível alegria de ser tia e por me lembrar disso.
E Feliz Ano Novo.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

...

Não sei estar em dúvida.

Se for simples, respondo qualquer coisa só pra não estar em dúvida.
Se for difícil, sento e choro.
Se mesmo assim não resolver, respondo qualquer coisa, só pra não estar em dúvida.

domingo, 9 de novembro de 2014

Hoje eu não quero ouvir canções de amor.

Hoje eu não quero ouvir canções de amor.
Nem luares,
nem brilhos no olhar ,
nem serenatas.

Hoje eu quero ouvir historias.
Por favor, me contem historias
que falem do tempo,
De como ele passa impassível
e nos enterra a todos na areia.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

sábado, 13 de setembro de 2014

Quase um pesadelo

Estávamos acampando, ou melhor, fazendo um bivaque, num lugar pra lá de estranho. Eu, minha irmã, meu sobrinho e mais umas pessoas que nem lembro.

O quadrado de chão que eu ia dormir tinha uma lona quase solta cobrindo, com muito vento e chuva a tirá-la do lugar e muita lama e só.

Ao lado do meu, o quadrado de chão da Paula era só aconchego: lona no chão, sleeping, edredon, quentinho, bem vedado em cima e dos lados, e, pasmem, cercado por grades.

Ela disse que onde estava, estava bom.
Eu disse que era claro, afinal, ela estava cercada por grades.
Ela sugeriu que trocassemos e eu aceitei e no primeiro vento ela e o menino desapareceram.

Alguém veio investigar e pediu meu depoimento, depois comentou: "Ela não devia ter saído das grades...."

Acordei assustada. Dormi de novo.

Procurei em vão minha irmã e meu sobrinho por dois ou três sonhos muito loucos. Encontrei-o, só a ele, já crescido, numa boate,  meio alheio, meio sem entender que tia maluca era aquela de quem ele não se lembrava, mas que sabia quem ele era.

Acordei me perguntando: se eu escolher o lugar mais seguro, mais confortável, quem será que o vento levará embora?

terça-feira, 29 de julho de 2014

O passarinho da asa quebrada

Era uma vez um príncipe encantado de passarinho: desavisado, dormira por tempo demais no ninho dos bem-te-vis, comera o mel dos beija-flores e se banhara na grande bromélia, que era a banheira dos sabiás. Os passarinhos reclamaram em sonho à gralha do pântano, que, quando acordou de noite, piscou e fez dele um passarinho também, pra ver o que era bom pra tosse.  E como o principe havia quebrado um braço caindo de uma árvore, saiu passarinho da asa quebrada depois do feitiço, o que a avezona achou muito bem feito.

A floresta então, antes tão divertida, virou um mundo muito assustado. Tudo quanto era bicho, dos grandes aos pequeninos, vinha querer sei lá o quê com ele, e o passarinho que era príncipe achou por bem fugir.

No desespero de se salvar, foi para o castelo da princesa mais linda, a do País do Lagos.

"Ah, passarinho, pobre de ti!" - disse a princesa - "Mas não posso ficar contigo: não sei cuidar de passarinho e espero um príncipe. E mesmo que o príncipe gostasse de ti, não sei quando chega e eu tenho um grande gato que antes disso irá te devorar!" - e dizendo isso, a princesa levou-o para fora rapidamente e ele pulou da mão da princesa para uma carruagem que passava. O passarinho não contou que era príncipe nem que estava encantado, porque no susto de virar passarinho da asa quebrada havia se esquecido do passado.

A carruagem o levou para o país vizinho: o país das montanhas. A princesa do país das montanhas - que era a mais sábia - se encantou com a canção de socorro do passarinho, mas não permitiu que ele ficasse: "Minha torre é muito alta... com a asa quebrada você pode cair e se machucar ainda mais." Essa princesa também esperava um príncipe e, embora fosse sábia, também não sabia cuidar de passarinho, mas conhecia um pouco de feitiços e teve uma idéia. O passarinho nem teve tempo de contar que era... que era... A princesa disse que ele se demorava demais a lembrar e no primeiro vento encantado da noite mandou-o para o próximo país: o país dos pântanos.

No país dos pântanos não havia princesas. A única pessoa que morava lá era uma bruxa, daquelas de mais de 300 anos, toda enrugada, encurvada e sem dentes. Na ponta de seu gigantesco nariz havia uma clássica verruga, daquelas de bruxa mesmo, com um pelo no meio.

A bruxa viu o passarinho e ele, sem conseguir voar ou correr, cantou seu canto de socorro, que era um pobre passarinho, indefeso, com fome e com a asa quebrada... mas não contou que antes era príncipe, pois havia lembrado, mas teve medo: achava que a bruxa não acreditaria nele e ficaria furiosa.
E a bruxa então disse:
- Ah... passarinho, vou sim cuidar de você! Vou lhe dar as melhores comidinhas... - E ele a viu colhendo pimentas.
- Ah... passarinho, vou sim cuidar de você! Vou lhe dar um banho bem quentinho... - E ele a viu por a panela no fogo.
_ Ah... passarinho, vou sim cuidar de você! Vou tratar sua asa quebrada... - E ele a viu pegar uma faca bem afiada.

Nessa hora o passarinho teve tanto medo, mas tanto medo, mas tanto tanto medo mesmo, que ele esqueceu que era passarinho e soltou um grito tão estridente que quebrou o feitiço da gralha. E com pernas de príncipe ele correu para bem longe dali.

terça-feira, 22 de julho de 2014

segunda-feira, 14 de julho de 2014

...

...e, no fim, ser professor também é dar muito mais atenção do que a gente recebe.
Eu agradeço aos amigos que ouvem as minhas ladaínhas e me ajudam a equilibrar essa balança.

sábado, 12 de julho de 2014

sobre aikido

O outro é barragem e eu, água.
Essa enchurrada não tem força de quebrar a represa, então se enfia pelas frestas e passa sem fazer caso da dureza do concreto.

Vez ou outra me opoem alguma resistência  (pouca, por enquanto, que dizem que tudo tem seu tempo) e eu preciso procurar um caminho por onde passe o movimento e então, é assim que eu me sinto: escorrendo.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

E eu, feita de desejos e medos, desejos e cantos, desejos e sonhos.
De desejos tantos que cedo ou tarde hei de explodir e rogo que gente de bem recolha meus cacos.... e...
.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

...

Andava em névoas num canto desconhecido. Tinha dois irmãos, os dois mais velhos (irmãos de sonho, não os mesmos do tempo acordada) que estavam nesse lugar há mais tempo que ela e vagavam a esmo, catatônicos.
Lá pelas tantas o mais velho a encontra e pergunta: "Pra que lado fica a vida?"
Ela não sabe, mas agora ela sabe onde está.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Perdida

Um ponto qualquer distante, nos confins da cidade. Lugar de gente humilde e simpática, que nos oferece café e fala da vida. Lugar um pouco assustador, olhares esquivos pelos cantos, desses de não sobrar sozinha a noite.

Instantes de uma neblina que tudo esconde e depois se desfaz e então decido ir embora antes que anoiteça.

O senhor que me acompanha ao ponto some quando corro atrás do coletivo, que por sua vez não para. Outras conduções vem atrás, todas me levariam pra casa, mas nenhuma para ao meu sinal.

A neblina volta a subir enquanto a tarde cai e eu alí, cheia de caminhos mas sem passagem.

domingo, 4 de maio de 2014

...

Emagreci.
A vida se alarga a minha volta.

...

... e então eu morava com a mãe e haviam escorpiões no meu banheiro. Não, não no banheiro da casa, no meu. E eu quase os tocava antes de vê-los, depois corria, trancava a porta, contava um caso.

Depois, num outro tempo (que os sonhos tem sempre muitos tempos), haviam pessoas em casa. Dois. Eu tomava um leite muito açucarado e devia, sabe-se lá porque, enrolar os dois até que fossem embora, tomando o leite até o fim sem que vissem. Se eu terminasse, ou se eles se fossem, dessas duas maneiras tudo estaria bem.

sábado, 3 de maio de 2014

...

Eu não chego a tempo, não termino a tempo, não acerto os compassos.
Eu me distraio e perco tempo ou  as horas.
Parece que o meu destino é essa eterna luta com tictac.
esse não aprisionar-se dia a dia.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Dia do Trabalho

Direto do ano 2000, interlocutora com 8 anos na época:

"Lu, qual sua profissão?
Eu trabalho como web designer, faço sites.
Não, Lu, A sua profissão... assim: Médica, veterinária, advogada....
Hum... então. Chama-se webdesigner.
Não, Lu... você não entendeu o que eu perguntei... Eu perguntei a profissão..
(Aí eu desencanei de explicar que aquela palavra estranha era o nome de uma profissão....)
Eu também sou Bailarina.
Não... Lu... a profissão...
E professora, de ballet.
Não... Lu... você não está entendendo... Profissão, Lu, assim ó: Médica, veterinária, dentista, advogada... Profissão, entende?"


Ironicamente, o pai dessa menina era músico.

...

Era um almoço. Desses que eu mesma gosto de armar, mas não era eu quem cozinhava. Eu tinha fome.

O prato, um não-sei-quê vegetariano, montado um a um por um cozinheiro prestimoso que explicava: este é o pão, a dispunha algumas fatias de abobrinha sobre a forma, esta é a carne, e arrumava os legumes refogados... devia ser montado e assado um a um. Era um processo lento. E eu tinha fome.

Este é o dela, este é o dele, e eu com fome.

Haviam na sala personagens de diversas partes da minha vida e todos eram servidos, um a um, antes de mim. E eu tinha fome.

Quem já me viu com fome sabe que eu sofro e grito e brigo e choro e xingo e desespero e surto e... mas o prato nunca era meu. E eu... a fome.

 Lá pelas tantas meu amor - que já me conhece - passa na frente de alguém e me entrega um prato.

Eu, enfim salva, pego talheres. São duas facas. Volto e busco mais um garfo. É outra faca. Vou procurar na gaveta, depois não sei.

Só sei que acordo sem ter podido tocar na comida.

terça-feira, 8 de abril de 2014

...

Maldita seja a "hora de acordar".
Maldito o relógio biológico que não se enquadra.
É até provavel que eu durma, de cansaço e obrigação,
mas não, não de sono:
Por dentro, passada à meia-noite, meu corpo é uma festa.
Ele sabe que é hora de vida e poderia correr, dançar, ler
mas não lhe peça que descanse.

Eu peço. Todo dia.
Maldita a vida responsável que nos aprisiona.

Talvez, como afirmam os trans, eu tenha nascido no corpo errado:
devia era ter nascido gato.

quinta-feira, 6 de março de 2014

...

As crianças dizem que não gostam de ler. Bobagem. A maior parte dos amantes da literatura não gosta mesmo de ler: gosta é do que está escrito. Olha as letras como baús de tesouros e abre, só pra ver o que tem dentro. Acostuma a esperar maravilhas e brilha os olhos só de imaginar. Ler, ler mesmo, o simples ato de decifrar o segredo dentro daquelas figurinhas pequenininhas, uma arrumada ao lado da outra, só encanta os recém alfabetizados, pra quem tudo é surpresa... acho eu.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Hilda

Permeava a minha infância o ter uma prima artista, poetisa. Palavras que eu, menina, não entendia mas mostrava aos colegas de classe como prova de uma origem mais nobre, de uma ascendência real.
Eu, na inocência desses anos primeiros, cria fervorosamente que ela era muito famosa por ter um  livro publicado, e me orgulhava disso. Não entendia a pequenez de uma publicação ante o mar de obras que transbordam nas livrarias e menos ainda a grandiosidade desta escritora e seu lugar dentro desse mesmo universo.




Não, não convivi com ela. Pelo que sei, meu lado da família nunca o fez, exceto pela minha mãe, que a foi procurar já adulta.
Não, também não a conheci. Deixei pra um depois que não houve, talvez a grande e irremediavel bobagem da  adolescência.

...

Eu detesto esse discurso do "professor-herói".
Aliás, detesto esse personagem que povoa nosso senso comum: o "Professor".
Não pretendo vestir essa máscara e fazer esse teatro de todo dia.

O que eu quero? Quero fazer meu trabalho em paz, olhar no olho dos muitos e responder, de tantas, as perguntas que couberem na minha parca experiência de vida e profissão.

Não serei o símbolo da sabedoria nem a salvadora da nação. Não trabalharei por amor nem farei horas extras voluntárias. Não serei eu a irresponsável que permitirá, via esforço sobre-humano, que as falhas estruturais da educação pública formal desta cidade se escondam e, assim, se perpetuem.

E não, não quero ser o herói de ninguém.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Momo e o Senhor do Tempo

Ontem eu terminei de ler um livro lindo, desses que tocam no fundo da gente.
Um livro sobre uma menina que sabia ouvir - Ah, que dom raro esse. Sabia ouvir de um jeito tão especial que as idéias se clareavam só dela estar ouvindo.
Sobre uma comunidade, um bairro numa grande cidade, onde quem tinha dúvidas as resolvia "Falando com Momo".
Sobre uma grande cidade onde homens cinzentos engravatados roubavam o tempo das pessoas.
Uma alegoria sobre esses nossos tempos (apesar do livro ser de 1973) em que deixamos de ver os amigos, de conversar com a família, de acariciar os bichos, pra economizar tempo e curiosamente esse mesmo tempo nunca nos sobra.
Quem dera pudéssemos apenas exterminar os homens cinzentos e voltar, repentinamente, a olhar as flores pelo caminho.

"mas o tempo é vida, e a vida mora no coração"