Comecei a me sentir incoerente... então senti necessidade de por tudo o que estava dentro pra fora, pra olhar de longe e tentar entender como funciona...

terça-feira, 17 de março de 2009

Não-tempo

Dormia. De repente um escuro claro de sons e chamas e calores e amarelos e vermelhos e pó, tudo ao pó. E um instante depois areia clara, cabelos úmidos, céu azul: voltar de um mergulho e esfregar os olhos para ver em volta.

Em volta um mundo doce, de cores claras e serenas – azuis e verdes, um amarelo aqui e ali. O outro lado, o avesso da primeira estadia, um mundo etéreo onde doces guardiões – figuras angelicais, semideuses gregos talvez, ou elfos de Tolkien – providenciavam tudo o que fosse necessário e cuidavam pra que ninguém se aventurasse a mergulhar de novo no lago, sendo essa sua principal função, já que após as chamas nada mais era necessário. Ou possível.

Longos dias entre trepadeiras com doces flores brancas, em móveis de vime, a contemplar o lago. Até nadar era permitido, mas apenas no raso, pois que o lago é passagem, por ele viemos e por ele é possível voltar. Mas ninguém deve voltar. Não é permitido. Os doces rostos continuam doces, mas impassíveis – NÃO. Só um se exalta, cansa-se de nós, gostaria que ficássemos eternamente no mundo onde nascemos – somos barulhentos e densos como ele.

Também! Viemos cedo demais. Toda essa paz é linda mas não queima como lá, e somos ainda amantes do fogo, ainda que seja ele responsável pelo nosso mergulho precoce.

Um a um, abandonamos aos doces atenciosos e amigáveis, e nos colocamos constantemente – não dia e noite, nem a cada segundo que aqui o tempo não gira e os atos se sucedem, antecedem e repetem sem muito sentido – ao lado daquele único que não nos atura, na esperança de que ele próprio, cansado de nós, nos atire ao fundo daquele azul turquesa onde se escondem todas as nossas paixões.

Por fim, tomado pela ira, eis que chega a minha vez, puxa-me pelo pé e atira-me com toda a sua força de ser divino, a que nada se antepõe nesse lugar sem leis da física, e num susto e num grito me vejo naquele azul quase verde, naquele azul quase preto, naquele azul quase vinho, naquele azul quase terra, água quase lama. No fundo do lago outra superfície, mais dura, mais escura e suja e malcheirosa.

E eu só com a roupa do corpo, em lama. Olho a volta. De volta as texturas e as carnes e os volumes. De volta o sangue e os vermelhos e os ocres. E eu molhada e friorenta – que aqui há frio, já me tinha esquecido – roubo roupas secas num varal e saio perambulando.

Encontro em pouco um amigo, antigo, do colégio.
- Quanto tempo! Que tem feito?
- Mortos tem encontrado um portal de retorno. Enganam os guardiões. Vem pelo caminho que foram. – mostra-me uma longa lâmina, como um espelho – e pelo mesmo caminho voltam.

Gelo. Conheço aqueles claros sem vida. Saberá?
Ele sorri:- Você fica, mas os outros ...

Peço pelos outros com os olhos, mas os dele permanecem duros. Não ouso discutir. Sigo andando.

Luciana Hilst
03/10/2005
(um sonho da noite anterior.... inda faço uma coletânea de sonhos)

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