Comecei a me sentir incoerente... então senti necessidade de por tudo o que estava dentro pra fora, pra olhar de longe e tentar entender como funciona...

domingo, 24 de novembro de 2013

Eu na educação formal



Após quase dez anos de trabalho na educação não-formal, eis que me vejo inserida no contexto da escola pública, no caso, rede estadual de São Paulo, EE. Bento Pereira da Rocha. A cada 50 minutos um novo grupo de 40 estudantes adentra minha sala e, ao fim de um período de seis aulas os rostos, nomes e discursos se estapeiam na minha mente como torcida inimigas em fim de campeonato.
O primeiro choque foi o da quantidade. Até entrar na educação pública eu sabia de cor os nomes completos, telefones, nomes das mães e, frequentemente, a cor preferida e a data de aniversários dos meus educandos, ou melhor, “educandas”, já que, como professora de balé e coordenadora bandeirante eu até então só trabalhava com meninas. Como educar alguém que eu não sei quem é? - foi a primeira pergunta.
Eram muitos mas, nas primeiras semanas, me ouviam. Passada a curiosidade, veio o segundo choque: a indisciplina. Indisciplina, a meu ver, é quando os estudantes deixam claro aos seus professores que eles não querem estar ali. Que o simples fato de se sentarem à sua frente é o resultado de uma longa sucessão de repressões e que sua manutenção dependerá de quão efetivas são as suas formas de reprimir.
Tenho ouvido dizer cada vez mais que a indisciplina é resultado de uma educação não significativa, mas discordo. A indisciplina é a revolta contra a autoridade. Está muito mais ligada à disputa de poder dentro desse ambiente social em miniatura que é a sala de aula, que ao interesse ou desinteresse pelo assunto a ser abordado ou pela metodologia adotada que, no mais das vezes, os protagonistas do conflito sequer sabem do que se trata. A classe é uma miniatura do mundo para os jovens e, como na versão real, tem papeis sociais a serem representados, que serão assumidos pelos educandos na medida em que se vejam vagos, assim como, no mundo, a queda de um líder sempre leva ao surgimento de outro. Nesse sentido, a indisciplina tem mais a ver com vaiar a presidenta que com o questionamento da metodologia e dos conteúdos abordados na escola. A segunda pergunta então é: “Como orientar o grupo sem assumir o papel que me cabe neste meio, que é o de agente repressor?”
A segunda pergunta se pauta em duas certezas: uma que carrego desde o início da minha formação profissional – de que eu não quero ser o agente repressor - e outra que descende da minha percepção sobre o ambiente escolar: é isso que se espera do professor.
A despeito das novas correntes pedagógicas que pintam o professor mais como líder, orientador, é gritante, no meio escolar, a expectativa dos próprios educandos de que o professor é aquele que põe ordem. De alunos considerados exemplares que afirmavam que não fariam desenho porque “desenho não é lição. Porque você não passa lição?”, passando pelos que se recusaram aos jogos teatrais afirmando que “aquilo não é aula de artes, professor de arte tem que pedir desenho”, até o rapaz da sétima série (oitavo ano) que recentemente me disse que jogava livros na cabeça dos colegas por que “você (no caso, eu) não faz nada” tenho colecionado uma grande quantidade de afirmações que remetem à ideia de que um bom professor, na concepção de alunos e pais de alunos, é aquele que passa muita lição, não deixa ninguém falar nada, fala alto e grita sempre que “necessário” e manda para a direção ou chama os pais de quem sai minimamente da linha.
Diante deste quadro, insistir numa pedagogia moderna, pautada no lúdico como elemento educador dentro da escola pública tradicional significa enfrentar a taxação de “professor que não é sério, não quer trabalhar, deixa a turma fazer o que quer, só fica brincando”. O resultado dessa taxação, no mais das vezes, é um ambiente caótico e agressivo principalmente aos alunos mais tímidos. Se o professor não se impõe como o mais forte a dominar o grupo, algum jovem assume esse papel e oprime cruelmente os seus pares.
Eu poderia fazer uma terceira pergunta: “Como transformar a visão dos educandos sobre o papel do professor?”, mas, ultimamente abandono todas e e contento com “O que eu estou fazendo aqui?”

Um comentário:

Bisdré (André Santos) disse...

Esse eu num tinha visto, meu amor.