Após quase dez
anos de trabalho na educação não-formal, eis que me vejo inserida
no contexto da escola pública, no caso, rede estadual de São Paulo,
EE. Bento Pereira da Rocha. A cada 50 minutos um novo grupo de 40
estudantes adentra minha sala e, ao fim de um período de seis aulas
os rostos, nomes e discursos se estapeiam na minha mente como torcida
inimigas em fim de campeonato.
O primeiro choque
foi o da quantidade. Até entrar na educação pública eu sabia de
cor os nomes completos, telefones, nomes das mães e, frequentemente,
a cor preferida e a data de aniversários dos meus educandos, ou
melhor, “educandas”, já que, como professora de balé e
coordenadora bandeirante eu até então só trabalhava com meninas.
Como educar alguém que eu não sei quem é? - foi a primeira
pergunta.
Eram muitos mas,
nas primeiras semanas, me ouviam. Passada a curiosidade, veio o
segundo choque: a indisciplina. Indisciplina, a meu ver, é quando os
estudantes deixam claro aos seus professores que eles não querem
estar ali. Que o simples fato de se sentarem à sua frente é o
resultado de uma longa sucessão de repressões e que sua manutenção
dependerá de quão efetivas são as suas formas de reprimir.
Tenho ouvido dizer
cada vez mais que a indisciplina é resultado de uma educação não
significativa, mas discordo. A indisciplina é a revolta contra a
autoridade. Está muito mais ligada à disputa de poder dentro desse
ambiente social em miniatura que é a sala de aula, que ao interesse
ou desinteresse pelo assunto a ser abordado ou pela metodologia
adotada que, no mais das vezes, os protagonistas do conflito sequer
sabem do que se trata. A classe é uma miniatura do mundo para os
jovens e, como na versão real, tem papeis sociais a serem
representados, que serão assumidos pelos educandos na medida em que
se vejam vagos, assim como, no mundo, a queda de um líder sempre
leva ao surgimento de outro. Nesse sentido, a indisciplina tem mais a
ver com vaiar a presidenta que com o questionamento da metodologia e
dos conteúdos abordados na escola. A segunda pergunta então é:
“Como orientar o grupo sem assumir o papel que me cabe neste meio,
que é o de agente repressor?”
A segunda pergunta
se pauta em duas certezas: uma que carrego desde o início da minha
formação profissional – de que eu não quero ser o agente
repressor - e outra que descende da minha percepção sobre o
ambiente escolar: é isso que se espera do professor.
A despeito das
novas correntes pedagógicas que pintam o professor mais como líder,
orientador, é gritante, no meio escolar, a expectativa dos próprios
educandos de que o professor é aquele que põe ordem. De alunos
considerados exemplares que afirmavam que não fariam desenho porque
“desenho não é lição. Porque você não passa lição?”,
passando pelos que se recusaram aos jogos teatrais afirmando que
“aquilo não é aula de artes, professor de arte tem que pedir
desenho”, até o rapaz da sétima série (oitavo ano) que
recentemente me disse que jogava livros na cabeça dos colegas por
que “você (no caso, eu) não faz nada” tenho colecionado uma
grande quantidade de afirmações que remetem à ideia de que um bom
professor, na concepção de alunos e pais de alunos, é aquele que
passa muita lição, não deixa ninguém falar nada, fala alto e
grita sempre que “necessário” e manda para a direção ou chama
os pais de quem sai minimamente da linha.
Diante deste
quadro, insistir numa pedagogia moderna, pautada no lúdico como
elemento educador dentro da escola pública tradicional significa
enfrentar a taxação de “professor que não é sério, não quer
trabalhar, deixa a turma fazer o que quer, só fica brincando”. O
resultado dessa taxação, no mais das vezes, é um ambiente caótico
e agressivo principalmente aos alunos mais tímidos. Se o professor
não se impõe como o mais forte a dominar o grupo, algum jovem
assume esse papel e oprime cruelmente os seus pares.
Eu poderia fazer
uma terceira pergunta: “Como transformar a visão dos educandos
sobre o papel do professor?”, mas, ultimamente abandono todas e e
contento com “O que eu estou fazendo aqui?”
Um comentário:
Esse eu num tinha visto, meu amor.
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