Comecei a me sentir incoerente... então senti necessidade de por tudo o que estava dentro pra fora, pra olhar de longe e tentar entender como funciona...

quarta-feira, 22 de abril de 2015

O espelho encantado.

A princesa era só no castelo, autoridade única. Assim, em tempo de seca, foi ela a sair em busca de fonte, lavoura ou rebanho que alimentassem os seus. Passados três dias de caminhada avistou ao longe a torre de um castelo, tão belo, tão cintilante, que a encantou a ponto de habitar seu sonhos, dia-a-dia, desde então.

Voltou ao reino com comida e boas novas, depois partiu em nova busca, decidida a seguir aquela imagem até os confins da terra. Caminhava durante o dia atravessando montanhas e vales e caminhava também nas noites, em sonho, por corredores iluminados por mil velas, incrustados com as mais belas pedras preciosas ou com as mais temíveis ossadas, altos, baixos, estreitos, largos, num deleite eterno de se saber no interior de tão sonhado palácio.

Três vezes trinta noites se perdeu a princesa nos desvãos do mundo até chegar à almejada porta. Viu-se então, diante de um espelho e nesse espelho figurou mais bela do que jamais fora. Afora cabelos e peles e formas tinha nos olhos um brilho de diamantes ou de cem mil vagalumes, capazes de iluminar uma cidade inteira ao piscar. Diante de tamanha beleza as portas espelhadas se abriram e os corredores reais se mostraram mais que os sonhados em tudo o que fosse possível comparar.

Dormida apenas uma noite em aposento real, saiu a princesa a colher rosas e frutas nos arredores, beber àgua em riacho, escutar passarinhos. Inda viu de relance uma lebre a passar distraida e decidiu pois retornar, mas qual não foi sua surpresa ao encontrar as portas espelhadas fechadas e nelas refletida a imagem da bruxa mais horrenda que se pode imaginar: afora cabelos e peles e formas, aqueles olhos negros e fundos prontos a aprisionar desavisados em intrincados encantos. Diante de tão horrenda figura, as portas permaneceram trancadas.

Decidiu então a princesa, desnorteada, retornar a terra natal. Procurou no caminho um sábio capaz de lhe dizer como quebrar o tal feitiço - posto que só poderia ser um feitiço - e tudo o que encontrou foram perguntas: Quem estaria enfeitiçado? O espelho, refletindo bruxa quando olhava princesa, ou ela mesma, olhando princesa e vendo bruxa? E quando? Hoje, mostrando feiura ou ontem mostrando beleza? Não teria sido também encanto o que mostrara bela essa velha já desfeita pela longa jornada? Qualquer sábio lhe daria o antídoto tão logo soubesse dizer qual. Até lá, nada.

E inda hoje caminha a perdida princesa pelo mundo, sem encontrar o caminho de casa e voltando de tempos em tempos à porta selada em busca, se não de uma fresta, ao menos de uma resposta.

Nenhum comentário: